segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Vida, no Mirada 2010.

Para ler em Portugués vá para depois do vídeo na mesma postagem.

Ayer estuve en otras dos obras del Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos – Mirada 2010( http://www.sescsp.org.br/mirada/) .


Sobre la argentina (El desarrollo de la civilización venidera) no voy hablar porque hoy veo otra del mismo grupo y mañana hablo de las dos juntas.


Pero con mucho honor cuento acá de Vida, obra teatral de la “Companhia Brasileira de Teatro” (clique acá e vea el sítio oficial) . Es la primer vez que miró un texto y una representación del teatro del absurdo brasileño. El director Marcio Abreu y sus otras dos guionistas Giovana Soar y Nadja Naira (actrices de Vida) traen los versos del poeta Paulo Leminski y crean una atmósfera de dudas, angustias y problemas donde lo importante no son las respuestas, sino las preguntas.


Son 2 horas de puro juego teatral llevándonos y trayéndonos a realidad y que nos hacen pensar sobre la vida que vivimos y cuales son “los 15 minutos de mi vida que cambiaran todo el resto de mi vida”, o sea, las decisiones que tomamos y que nos hacen ser lo que somos.


Aun mas, los actores y las actrices son espetaculares uniendo la tecnica, la precision de los gestuales con tudo lo que se dice ensena.

Dani Ciasca - 06/09/2010

Matéria de Vida no Metrópolis


Ontem estive em duas outras peças do Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos – Mirada 2010( http://www.sescsp.org.br/mirada/ ) .



Sobre a peça argentina (El desarrollo de la civilización venidera) deixo para falar amanhã depois de ter visto a outra peça do mesmo grupo/diretor.


Porém, é com muita honra que posto hoje sobre Vida, da “Companhia Brasileira de Teatro”  (clique aqui e veja a página oficial) . É a primeira vez que vejo um texto e uma encenação do teatro do absurdo brasileiro. O diretor Marcio Abreu e suas outras dramaturgas Giovana Soar e Nadja Naira (também atrizes da peça) trazem os versos do poeta Paulo Leminski e criam uma atmosfera de dúvidas, angústias e problemas onde o importante não são as respostas, mas as perguntas.


São duas horas de puro jogo teatral ora nos levando, ora nos trazendo à realidade e que nos fazem pensar sobre a vida que vivemos e quais são os “15 minutos da minha vida que mudaram o resto da minha vida”, ou seja, quais as decisões que tomamos e que nos fizeram ser o que somos hoje.


Além disso, o elenco é espetacular! Conseguem unir a técnica, a precisão e o sentido do que se diz em cena.
Leia Vida de Cão e outras Vidas, de Paulo Leminski e que está na peça.

Nas noites de frio, os cachorros latem. Latem porque a noite dói no coração do mundo. Latem para esquentar o nariz. Latem porque quem late seus males espanta. Latem em grego, em cachorrês, em latim. Latem porque a lua, alguém tem que fazer alguma coisa com a lua, aquela coisa imensa, redonda, aquela coisa branca enorme donde vem todo o frio que faz a madeira das casas estalar, malassombradas. Então os cachorros latem mais.



E, depois, latir, comer e coçar, é só começar. Você começa a latir por algum motivo. Depois, não precisa mais motivo. E você late, late, late, até ficar rouco. Há casos de cachorros que enlouque-ceram de tanto latir. Latir tem começo, mas não tem fim. Há casos de cachorros ótimos que latiram tanto, tanto, mas tanto, até sair sangue da garganta, latiram a noite inteira até a última gota de sangue, latiram até morrer como cantam as cigarras. Nada como um cachorro latindo para acordar todos os cachorros da vizinhança, do bairro, da cidade, os latidos em ondas se espraiando de bairro para bairro, os últimos latidos indo morrer lá nos confins da aurora em Colombo, São José dos Pinhais ou Santa Felicidade. Latir é de graça, como o ar agudo que se respira nas noites de inverno, como a lua que se veste da nuvem que bem entende, como falar sozinho.



Latir não dá lucro. Ninguém late para anunciar, cachorro alto, moreno, bonito e sensual procura cadela idem para fazer uma noite de amor e uma ninhada de cachorrinhos. Ninguém late para fechar negócios, procura-se um osso com bastante carne, oferece-se uma lambida para quem fornecer uma pista. Late-se porque não há outro jeito. Latindo ou não latindo esta será sempre uma vida de cachorro. Pelo sim, pelo não, melhor latir. Quem late, não tem intenções artísticas. Não se late como quem canta. Um cachorro que latisse como quem entoa a ária “Vita di Cane” da ópera “‘Totó” seria imediatamente vaiado por latidos de oito bairros. Cachorros latem todos iguais. Tão igual que nem se pode dizer, a rigor, que este ou aquele cachorro late. A noite late. Late-se e pronto. Um latido na noite é uma coisa universal, genérica, abstrata como um teorema, au mais au igual a au-au.



Late-se a noite inteira porque, de dia, só se late para defender o osso de cada dia, late-se contra, late-se para criar distâncias, late-se contra o carteiro, contra a visita, contra o rival no amor da cadela ou na fome da paixão pela carne. Late-se para defender a casa, essa extensão natural da lata de lixo. Ao anoitecer, estamos exaustos de tanto latir, latir em vários idiomas, em raiva, em ódio, em fome, em medo. Então, dormimos. E sonhamos. Com uma linda cadela de rabo abanando, e as partes trescalando aromas como um fim de churrascada? Nada disso. Sonhamos que estamos latindo. Latindo de graça. Latindo pra nada. Latindo pela paixão ancestral de latir. Latir nas florestas primordiais, úmidas de ecos, olhos e grandes batalhas noturnas entre todas as ferocidades. Latir pelo prazer de estilhaçar o silêncio em mil caquinhos de latidos, nas planícies geladas açoitadas pelo vento, as planícies distantes, perdidas na memória obscura de todos os cachorros.



E, nesse sonho, latimos tanto que acordamos, a lua já alta, a noite fria, o nariz ardente, azul como as estrelas mais doloridas. Chegou a hora. É sexta-feira 13, agosto, mês de cachorro louco, noite perfeita para latir, latir loucamente, latir como antigamente, como quando a gente vagava em bando pelas florestas, farejando carne, carne viva, sangue pulsando nos buracos das delícias, latir com a boca escorrendo sangue doce, latir dizendo sim, sim, é assim, e assim é bom. É por isso que os cachorros latem. Afinal, os cachorros latem por qualquer coisa. E os latidos penetram no sonho das crianças que sonham que os cachorros estão atacando, a casa está cercada de cachorros, muitos cachorros em volta da cama. E as crianças choram no meio da noite, e acordam os cachorros. Um cachorro, quando acorda, a primeira coisa que faz é latir. Latir para limpar a garganta. Latir para dizer, “Jesus Cristo, eu estou aqui”. Latir é a coisa mais simples do mundo. É só abrir a boca, e deixar o coração falar, e lá estão os corações latindo tudo o que um cachorro sente.



Desde a época do lobo, as melhores inteligências caninas têm se dedicado a investigar por que os cachorros latem na madrugada. É sobre isso que muitos cachorros estão pensando quando sentam nas patas de trás, ou se deitam ao sol para pegar um calorzinho. Sobretudo, é o último tema de meditação dos cachorros velhos, quando sentem a morte se aproximando, pé ante pé como um gato.



Mas apesar desses esforços de incontáveis gerações de cachorros, nenhum buldogue, pastor alemão, dobermann, pequinês, dálmata, poodle ou vira-lata, conseguiu ir além do óbvio, que a gente é cachorro mas não é burro, e o óbvio, sempre, é o lugar mais quentinho, mais abrigado da chuva e do vento.



Os cachorros latem porque um outro cachorro latiu.



Texto do Livro "Gozo Fabuloso", de Paulo Leminski, p. 87

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